Sunday 7 March 2010

operacões de montagem 1

Fui ver a Fita Branca na segunda feira. Passei alguns dias pensando no filme, e hoje, ao comentar com David, me lembrei de dois momentos fortes do ponto de vista da montagem.
No primeiro, estamos vindo de uma cena de violência verbal, onde o pai, pastor, severo, anuncia a aplicação do castigo ao filho. Corta para uma cena de sexo em pé, com cara de curra, e parece que é uma continuação da cena anterior, mas é uma nova sequência, o médico comendo a governanta. Ainda que não seja o pai pastor estuprando o próprio filho a associação já está feita, a montagem já se deu em nosso entendimento, e é irremediável.
No segundo momento, quando o médico diz para esta mesma governanta: "quero que você morra", corta para um cortejo fúnebre, mas não é a governanta que morreu, é outro personagem, mas ficamos com aquele fantasma da morte da governanta a nos assombrar.

Pode parecer uma associação primária e imediata, mas quando percebemos que a montagem é orientada pelo desejo dos personagens, torna-se uma curiosa e perversa operação. E o efeito desta operação é um transbordamento, por todo o filme, dos sentimentos, paixões e afecções em jogo nesta comunidade.

Talvez haja outros momentos assim no filme, nos quais os desejos dos personagens conduzam os cortes e nos levem a conclusões que não correspondem extamente ao que é mostrado na tela, naquele momento, mas que contribuem para uma latência, um ou latejar, lembrando das palavras de Clarice, em GH, que atravessa o filme. A dor, a violência física, verbal e sexual, o abuso e a brutalidade são sentidos em todos os momentos, mesmo nos momentos em que as ações mostradas não são necessariamente brutais. Doloroso, e tão belamente fotografado, duplamente perverso, saí do cine meio torpe.

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