Saturday 26 September 2009

A falta que nos move: Cinema Vivo


Quando eu fui ver a peça "A falta que nos move", o Pedro Bricio, um dos atores em cena, me dirigiu diretamente a palavra. Fiquei embaraçada, queria dizer alguma frase espetacular como resposta, balbuciei qualquer coisa, me senti uma boba, a peça prosseguiu.
Este tipo de exposição, que dá o tom do elenco da peça, é estendido ao público do teatro, que fica em suspenso diante dos atores, todos aparentemente em carne viva, de uma forma que oscila entre o controle e o destempero.

O filme que abriu a Premiere Brasil ontem é adaptação dessa peça, mas se a peça já era um mil-folhas, no filme há outras camadas, outras coisas em jogo, possibilitadas pelo novo formato que a dramaturgia assume como filme.

A peça tinha essa característica marcante que a gente ficava sem saber se já tinha começado ou não, porque a gente entrava e os atores já estavam ali, falando com a gente, sem o ritual dos três sinais, sem um anúncio claro que determinasse o início do espetáculo, e aos poucos a gente entendia que era isso mesmo, ia ser assim.

Com a adaptacão para filme esta dimensão se espalha de uma forma muito intensa. Se o início é claro - a projecão começa -, a dúvida de até que ponto eles estão atuando, estão surtando, estão desistindo, estão curtindo, estão zoando, estão sofrendo, estão mentindo é trabalhada com um tipo de cinema vivo que me interessa e faz pensar em JLGodard e Lars von Trier. É divertido e perturbador.

Alguém comentou na saída que a impossibilidade de os atores deixarem o espaço do filme lembra o Anjo Exterminador, do Buñuel, sendo que aqui, claramente é o filme, o dispositivo armado por Jatahy, que determina que eles não podem sair; o surreal está em diálogos como "não quero isto editado no filme" ; "estamos antecipando demais as cenas, vá checar no roteiro";"Cuidado com o microfone!"; "O microfone soltou?"; "Assim você vai quebrar o microfone."

Ao encenar atores que encenam, Jatahy deixa os espectadores no limbo: estamos vendo o quê? A vida é encenação? O cinema é verdade? Como observou o David França Mendes, que assistiu ao filme seguinte do meu lado, seria apenas um reality show tipo Big Brother se não houvesse esta construção laboriosa e sofisticada de camadas e camadas de realidade e ficção. O filme não se apresenta como o que os atores realmente viveram em 13 horas. Sim, fomos avisados que eles estiveram ali por 13 horas recebendo por torpedo de celular as orientações de uma diretora - deus? - no entanto em que medida havia cenas ensaiadas e em que medida a própria saída da encenação era também uma encenação cria um jogo, cristalino, uma imagem cristal, que não é representação da realidade, mas representação da ficção que representa a realidade, espelhamento de teatro e cinema, contração de um tempo real, tensão entre pessoa, persona, personagem.

E depois eu continuo porque a agora vou correr para o cinema.