Tuesday 28 September 2010

No TEMPO FESTIVAL



1) Em "Coreografia para prédios, pedestres e pombos" vocês propõem um formato singular e híbrido, que mescla as linguagens da dança e do "cinema ao vivo"(este último muito pautado pelas novas tecnologias). Quais são as possíveis relações entre dança e cinema ao vivo, como vocês as investigam? Quais são os desafios em apostar em uma linguagem híbrida?

Comecei a trabalhar com cinema ao vivo em 2008. Já fiz documentários e curtas, mas nunca tinha experimentado o formato ao vivo além das transmissões comerciais de televisão. Minha aproximação com os circuitos de vídeo veio por uma inquietação com a presença silenciosa e avassaladora das câmeras de vigilância, uma espreita constante a qual estamos submetidos cada vez mais nos espaços pelos quais circulamos nas cidades. De que forma poderiamos aproveitar esta ideia disseminada do panoptico para criar videos, não com o objetivo de "vigiar e punir", mas produzindo uma especie de pan cinema permanente, para parafrasear o titulo do filme do Carlos Nader?
Descobri que existem muitos artistas, sobretudo na Inglaterra, trabalhando com imagens de vigilância e CFTVs, que captam, ininterruptamente, ao vivo, todos os dias, os fluxos nas cidades. E comecei a fazer as "Composições para circuito de video-vigilância", que além de pesquisa artística resultou em pesquisa acadêmica, com minha tese de Mestrado defendida na ECO/UFRJ em 2009.
Realizei com o músico David Cole algumas performances utilizando CFTVs na Caixa Cultural, no Glaucio Gil, no Circo Voador, no Oi Futuro. Contudo estava claro que não tínhamos tido tempo para desenvolver uma dramaturgia, um trabalho de corpo, de ator. Acabava que a montagem das câmeras e da mesa de mixagem consumia todo o trabalho.
Re encontrei a Dani Lima em processos de trabalho de outros colegas e nos aproximamos, com o interesse comum de despertar o olhar para uma poética do cotidiano, de percepção das potências estéticas do dia-a-dia, de entendimento do ordinário como matéria do trabalho. O primeiro fruto do nosso encontro foi seu espetáculo "Pequeno Inventário de Lugares Comuns". Tempo e movimento são elementos chave para o cinema e para a dança. É interessante quando experimentamos juntas nestes campos, cada uma com as ferramentas de que dispõe - na dança o corpo, no cinema a montagem - para produzir estranhamentos, deslocamentos e revelações sobre o tempo e o movimento cotidianos.
Ali começamos a gestar a "Coreografia". Neste projeto estamos tendo a oportunidade de sistematizar o trabalho: mapeamos, revisamos, observamos, produzimos. O olhar de cima, ponto de vista privilegiado - olho de deus, olho que tudo vê - nos ajuda a visualizar os padrões de chão, a topografia, nos leva para outro lugar que nos permite ver de fora, aquilo que de dentro nem enxergamos mais. O paisagismo do Largo é Burle Marx, ninguém se lembra disso! Com a estratégia do circuito de video acessamos o espaço publico, estamos dentro do cotidiano, enfim, as coisas parecem se encaixar.

2) O processo deste novo trabalho parece reavaliar a questão do público: a intervenção urbana que faz com que performers e platéia estejam misturados. Os performers, por sua vez, executam ações a partir de uma observação prévia dos pedestres (a partir do mapeamento do Largo). Vocês poderiam falar um pouco mais sobre essa relação entre espaço fechado (teatro) - espaço público?

O público na verdade tem várias formas de assistir ao espetáculo: seja na praça ao nivel do chão em meio aos performers; seja no café do Oi Futuro, onde faremos uma mixagem ao vivo das imagens e sons; seja pelo streaming na internet. A discussão sobre a ocupação do espaço público é fundamental. Um espaço que é ocupado pela lógica do comércio - outdoors, banners etc - pela indústria da segurança - grades, câmeras de vigilância, alarmes - e onde as manifestações artísticas encontram cada vez mais restrições. Ocupar o Largo com a Coreografia é uma forma de afirmar a rua como espaço de experimentação, valorizando a experiência cotidiana e a construção do comum, da comunidade como potência.

3) O "cinema ao vivo" é uma linguagem que está em plena efervescência. Quais são os elos e diálogos entre este novo gênero e a forma cinema tradicional, a videoarte e o cinema experimental?

Nos primeiros anos do cinema, quando ainda não havia uma codificação estabelecida para a linguagem, as vanguardas russas já afirmavam a máxima : "cinema é montagem". Na explosão dos novos cinemas dos anos 60, JLG afirmava não se preocupar em filmar as coisas, mas o que está entre elas. Esta idéia de imagem-relação, de entendimento do cinema não como representação de algo dado, mas como rede de relacões entre imagens e sons que se recombinam e reconfiguram, enfim, uma idéia de processo para o cinema, o acompanha desde a sua origem. Já virou clichê dizer que o filme se faz no encontro com o público, e a videoarte explorou este lugar com obras inquietantes, aonde só há video se há espectador, ou é a própria atividade do espectador que produz imagem para ser vista (Dan Graham, Peter Campus, Bruce Nauman, entre outros) Esta idéia de imersão na obra, de relação do corpo e da presença do corpo com a imagem lançou mão muitas vezes de circuitos de video, espelhos, múltiplas projeções, parangolés. As experiências de Live Cinema hoje são, de certa forma, herdeiras destas correntes que sempre correram paralelas ao cinema "tradicional", clássico narrativo, pautado por lógicas de causalidade. A possibilidade de "navegação" pelas imagens, uma maneira muito contemporânea de acessar os conteúdos, vai sendo facilitada pelas novas tecnologias, sem dúvida, mas suas raízes estão bem antes, acredito que na gênese mesmo do cinema.


4) Como está sendo o processo de construção deste novo espetáculo? (especificamente em relação à dramaturgia)

Está sendo uma loucura! Obra aberta e em processo!

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