Máquinas de Luz. 1º. Forum da Imagem Técnica.
Debate paoleb + Cezar Migliorin, Muti Randolph e Cao Guimarães - quarta feira dia 28 às 19h no Cine Glória.
Recebi com alegria o convite para participar do debate sobre a interação entre suportes e linguagens no evento Máquinas de Luz. Dizia assim:
“Além da interação cinema, vídeo, fotografia, música e artes plásticas, recentemente vemos as artes cênicas incorporando dispositivos imagéticos e tecnológicos na concepção cenográfica dos espetáculos.”
Mais oportuno impossível: meus trabalhos cada vez mais caminham na direção da contaminação da cena de teatro/dança/performance por práticas audiovisuais. Minhas questões: como a presença da projeção, ou do monitor, se relaciona com o espetáculo cênico, como pode potencializar, dialogar, pôr em dúvida ou reforçar uma cena que acontece ao vivo – lembrando que a própria imagem projetada ou transmitida na TV pode também ela estar sendo gerada ao vivo. Então é justamente esta possibilidade da imagem – virtualidade – de adicionar camadas à realidade da cena que anda me interessando na minha pesquisa hoje.
Quando recebi a mensagem do Cezar, sugerindo que o foco do debate recaísse sobre o papel que o acaso desempenha no meu processo de criação, a coisa ficou mais afinada ainda.
NORTE
“Qual o papel do que não se domina?
As idéias vêm acompanhadas desse imponderável?
Ainda, há uma escolha de suporte diferenciada por conta da forma como vocês (no caso eu e Cao Guimarães) imaginam a presença do acaso?”
Decidi iniciar a minha fala pela projeção do curtinha Jogo dos 7 Erros.
Este trabalho foi realizado em um Mini Curso que ofereci no Festival Dança em Foco, em torno de uma poética do movimento em espaços vigiados. Pesquisei, junto aos participantes, tipos de movimentos desenvolvidos que poderiam ser considerados suspeitos, relevantes, interessantes, padrão. Foi a primeira vez que produzi um vídeo, finalizado, com imagens de vigilância, e estou feliz de nosso trabalho ter sido selecionado para a mostra competitiva Arte.mov em BH. Nós atuamos diante das câmeras do SESC Copacabana, recuperamos o material bruto e por meio de um efeito de edição criamos esse anel de tempo aonde a ação de uma tela invade a ação de outra, meio anel de Moebius, uma imagem começa aonde a outra termina, e isto causa um estranhamento meio Lynchiano, gostei. E foi algo que se deu como um feliz acaso, mas um acaso que foi possível graças ao trabalho ao qual nos propusemos. Quando entramos naquele corredor não estávamos com as ações cronometradas, e nem sabíamos que isto poderia ser editado assim, mas tínhamos em mente a tarefa de executar ações com padrões de repetição, reverso e duplicação, a partir de VPs. Viewpoints são uma poderosa técnica de improvisação que lida com o espaço, a arquitetura, a topografia, a forma, o tempo, a duração, a repetição, a resposta cinética e o movimento, subtraindo a psicologia da cena e lidando com a materialidade e a superfície dos corpos. É ótimo. Me faz pensar em Eisenstein, de uma certa forma é construtivista e tenho pensado meu trabalho como realizadora de filmes ultimamente nestes termos.
Já trabalhei com cronômetros, VPs e vídeo-vigilância também, com uma ação realizada na Caixa Cultural, no Festival de Live Cinema ano passado. Chamava-se Cabine de Pensamentos e reuniu 10 performers, 40 sons pré-gravados, 4 câmeras de vigilância, um microfone e uma mesa de corte conectada a um projetor de uma sala de cinema.
Quando eu desvio o sinal da cabine de vigilância para uma sala de projeção eu estou em busca do potencial cênico que toda imagem traz consigo, eu estou interessada em resistir ao dispositivo de controle, invasão, policiamento, e transformá-lo em uma ferramenta para fazer filmes, ao vivo. O risco de fazer as coisas ao vivo, de lidar com o acaso, o fortuito e o imponderável, recombinando minha atenção como editora aos fatos casuais também e não somente aos encadeamentos causais é para mim de extrema riqueza. As imagens de vídeo-vigilancia representam para mim um pan-cinema permanente, para parafrasear o filme do Nader sobre o Waly, ou um continuum do vídeo, para lembrar da expressão usada pelo Paul Virilio.
Alem da apresentação na Caixa Cultural fizemos outras no Circo Voador, no Teatro Gláucio Gil e na ECO/UFRJ, onde precisamente concluí meu Mestrado em Tecnologia e Estética.
Quando eu resolvi trabalhar artisticamente com as imagens produzidas por circuitos de vídeo-vigilância eu entrei num campo novo para mim, que é o campo do cinema ao vivo. Cinema ao vivo: o que é isso? A gente fala e as pessoas arregalam os olhos, porque de uma certa forma todo cinema é ao vivo, quer dizer: é um projetor que está banhando uma tela/ superfície naquela hora, a sessão tem uma duração, todo filme é um acontecimento temporal, performático, não é como um quadro, ou livro aonde o espaço/tempo que se estabelece entre o espectador e a obra não é determinado.
Mas o que a gente chama hoje de cinema ao vivo, Live Cinema, é um tipo de experiência aonde o filme ao qual vamos assistir não é um produto, já terminado, que vai ser simplesmente carregado em um projetor/ tela. O filme, na verdade, se constitui, se consolida, no momento da projeção, literalmente. O filme é o fruto do encontro com um lugar, uma platéia, um espaço e um tempo, e uma combinação entre sons e imagens, sincrônicos ou não.
Uma experiência radical de Cinema ao vivo na qual colaborei foi no roteiro do longa metragem - ou melhor, metragem indefinida! - Ressaca, o filme do Bruno Vianna que é editado ao vivo. Foi uma experiência doida, pois as questões com as quais normalmente nos confrontamos na escritura de um roteiro – que cena vem antes desta, qual é a curva do personagem, etc, enfim, questões narrativas, precisavam ser recolocadas em outros termos o tempo todo. Pois o filme não tem um roteiro pronto, ele tem varias saídas possíveis, então é um roteiro que é mais como um mapa, cheio de caminhos compossíveis, que a gente tinha que desenhar. Então na verdade a gente repertoriou cenas, formas destas cenas se (re)combinarem, caminhos a serem percorridos por estas cenas, quase um VP com o roteiro. E o Bruno, a cada vez que o filme é projetado, recombina estes elementos, às vezes de maneira mais feliz, outras menos, acaba sendo uma questão de treino também. Gosto de sentir o cinema próximo do teatro por esta via, e não pela via clássica.
Pensei agora que seria interessante realizar remixagens de filmes que, embora tenham uma metragem definida apresentam-se mais como mapas de historias do que narrativas clássicas – Ano Passado em Marienbad, para citar o óbvio, Mulholland Drive de David Lynch para ser mais atual.
O fato é que tenho me interessado cada vez menos pelas formas de cinema que se pautam pela execução de um roteiro simplesmente. Acho que há sempre este elemento do imponderável, e aqui a gente pode lembrar daquela afirmação de Godard de que todo o grande filme de ficção tende ao documentário, e vice versa. Se a gente não estiver aberto ao acaso, ao imponderável, em suma, à própria vida, não tem muito sentido fazer filme, é o que eu estou pensando hoje. Então parece que todas as coisas que eu faço acabam meio contaminadas por esta perspectiva e eu vou desenvolvendo um sentido de alerta, de prontidão, de resposta cinética, acho que esta é uma importante característica do meu trabalho hoje. Acho que a gente tem que ser meio camaleão, porque as vezes a coisa não é exatamente aquilo que a gente esta pensando e não dá pra ficar engessado no projeto... O Hitchcock falava que sonhava com uma máquina capaz de reproduzir o filme exatamente como estava na cabeça do diretor, mas eu acredito que o grande barato está no embate entre a idéia que se tem e o acontecimento que é realizá-la... outro dia eu postei no twitter esta frase, que eu tinha ouvido no ensaio da Chris Jatahy, de que temos que ter sempre em mente a complexidade do que estamos fazendo, pra não fazer só uma cena. E o que isto quer dizer? Quer dizer que quando estamos encenando, estamos pondo em crise, estamos pondo em dúvida, somos nós mesmos e somos personagens, somos roteiro e somos vida, é tudo de carne osso e de faz-de-conta misturado com aqui e agora. É tudo acontecimento. Isto é uma característica superbrechtiana que cada vez mais eu entendo ser importante pro meu trabalho e para as colaborações que tenho feito com outros artistas.
Algumas imagens de mistura entre aqui/ agora e imagem – ao vivo ou não- de trabalhos recentes:
MULHER QUE MATOU OS PEIXES – OI FUTURO
O PEQUENO INVENTARIO DE LUGARES-COMUNS – SESC COPACABANA
ccvv #3 – CIRCO VOADOR
CORTE-SECO - SESC SAO JOAO DE MERITI
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2 comments:
lindo texto!
queria ter visto a apresentação mas fiquei trabalhando até tarde! mas curti ler/ver o trabalho por aqui.
beijo
macieira de mi corazón: agora só falta o desfile! bju
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