Tuesday, 24 March 2009

marta peres manda notícias

o texto abaixo me foi enviado por email pela marta peres

'em tiroteio todo mundo é perdido que nem cego'

Queridos amigos
preciso contar para todo mundo o quanto estou feliz por
ESTAR VIVA!!!
Escrevo isso ao som de helicópteros sobrevoando a cidade bem perto daqui.
Ontem, por volta de 18:15h, desisti de esperar o Juca chegar da escola
para ir com ele dar um beijo na minha irmã que vai ganhar sua terceira
filha hoje e fui vê-la sozinha. Ele estava com muito dever pra hoje e
além disso poderia fazer bagunça quando ela tem que descansar.
Pensei, já que estou sem o Juca, vou de ônibus, prefiro andar de
ônibus que de carro, me sinto mais livre.
Poderia ter tomado o 464 na Barata Ribeiro que deixa na porta dela,
mas como dá muita volta, corri e alcancei um 415 parado num sinal na
Tonelero.
Sabia da guerra no Tabajaras, mas fui na fé, e fiquei feliz quando o
ônibus já havia ultrapassado tranquilamente as ruas Siqueira Campos e
Figueiredo de Magalhães, pensei, beleza, tudo já se acalmou.
Anotei 3 idéias e projetos na agenda, como sempre, e pensei, não vou
escrever poesia nem crônica, vou ficar observando a paisagem, e
experimentar não fazer nada.
Saí com 5 reais exatos para ir e voltar do Leblon de ônibus.
Depois da Santa Clara, à altura da Anita Garibaldi, começamos a ouvir tiros.
Os passageiros começaram a gritar 'é tiro, gente', 'motorista, dá ré',
'sai daqui', como se desse pra sair, eu gritei 'abaixa, gente!', nos
jogamos todos no chão.
Os tiros estavam passando muito perto, o camburão da polícia estava
emparelhado com o ônibus, e atirava numa van onde os traficantes
fugiam.
As pessoas gritavam pedindo para sair, para derrubarem a janela de
emergência, eu falava 'cuidado', na rua pode ser pior, e rezava
'ave-maria-cheia-de-graça', 'ave-maria-cheia-de-graça',
'ave-maria-cheia-de-graça', e só, não passava daí, me escondi debaixo
de um cara bem gordo e do banco do ônibus, cobrindo a calota craniana
com as mãos, como se adiantasse alguma coisa. de manhã estudei tanto
neurofisiologia pra dar aula, foi como se em décimos de segundo eu
sentisse na pele a fragilidade de todo este complexo sistema que me
faz sentir e me mover e que pode simplesmente parar de funcionar se
acontecer de estar passando na linha de tiro de uma guerra.
Falava 'vamo rezá galera' e para com isso, para, como se os tiros
fossem parar só porque estávamos ali no meio, só pensava 'minha
sobrinha vai nascer amanhã, não posso morrer agora, tenho que ver
minha sobrinha'. Tenho tanta coisa pra fazer... e todos os meus
projetos...? não posso morrer hoje!
Até que alguém conseguiu a porta e derrubar a janela, 'vamos sair
daqui de dentro', o ônibus estava encostado à beira da calçada em
frente a um boteco, descemos um por um e eu zuni para a cozinha no
fundo, junto com mais umas 5 pessoas, 3 mulheres e dois homens, me
joguei no chão cheirando a óleo, as mulheres gritavam e choravam
avisando pessoas pelo celular, os homens paralisados, fechamos só a
porta tipo saloon da cozinha, tinha outras pessoas na parte da frente
do boteco, todos pedindo pro cara de lá fechar a porta da rua e nada
dele fechar, ainda ouvimos a movimentação de um policial correndo e
atirando passando por aquele espaço estreito de calçada.
Alguém avisou 'tá passando na televisão', eu não tive coragem de
espiar pra fora da cozinha, fiquei lá quieta, falava, o pior já
passou, consegui ligar pro André filando o celular de uma das mulheres
e ele me disse que o Juca acabava de chegar, ufa, o Pedro eu sabia que
estava na escola de cinema, no centro, longe dali.
As pessoas contavam, 'tem 5 corpos caídos na rua', outras diziam que eram 7.
à medida que foi acalmando o som, as pessoas foram saindo, fui a
última a ir embora, pude ver um policial cumprimentando o outro
calmamente como se estivesse na cantina do cinema, uma sensação
estranhíssima, de estar muito muito viva, sobre as pernas, caminhando
pela Figueiredo em direção à praia, ainda senti medo quando passaram
mais camburões e carros da polícia com a sirene ligada e pedi para o
porteiro esperar passarem todos no hall de um edifício.
Perguntei para algumas pessoas se elas sabiam o que tinha acontecido,
umas sim, outras nem aí, um cara com duas moças, disse, triunfante,
com relação aos corpos caídos na rua, 'é bom, a polícia está fazendo
seu trabalho, está trabalhando bem', e eu perguntei, 'e a gente, que
está passando pelo caminho deles?' ele fez uma cara indiferente.
consegui tomar um táxi pra voltar pra casa.
senti vontade de mudar tudo, de ser diferente do que eu sou, de
começar outra vida.
não sei bem como nem por onde começar.
mas sobrevivi
estou muito feliz por isso

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